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29 de set. de 2014

El Bosco - Nirvana

A canção "Nirvana" do álbum Angelis (1995) do grupo espanhol  Elbosco:


Letra: 

Et erunt signa in sole
Et luna et stellis
Et presura gentium
Prae confusione sonitus maris

The world was in
In the beginning
In the beginning with God
And all the things were made by him
And without him wasn't anything

The world was in
In the beginning
In the beginning with Budha
And all the things were made by him
And without him wasn't anything

The glory nirvana eternal nirvana 2x

Et erunt signa in sole
Et luna et stellis
Et presura gentium
Prae confusione sonitus maris

The world was in
In the beginning
In the beginning with Allah
And all the things were made by him
And without him wasn't anything

The glory nirvana eternal nirvana 2x

Et erunt signa in sole
Et luna et stellis
Et presura gentium
Prae confusione sonitus maris

Tradução:

E sempre siga o sol, a lua e as estrelas
E aprecie gentilmente a confusão dos sons dos mares 

O mundo está no
No principio
No principio de DEUS

E todas as coisas
Foram feitas por Ele
E sem Ele, não haveria coisa alguma

O mundo está no
No principio
No principio de BUDA

E todas as coisas
Foram feitas por Ele
E sem Ele, não haveria coisa alguma

A glória, nirvana
Eterna, nirvana 2x

E sempre siga o sol, a lua e as estrelas
E aprecie gentilmente a confusão dos sons dos mares

O mundo está no
No principio
No principio de Alá

E todas as coisas
Foram feitas por Ele
E sem Ele, não haveria coisa alguma

A glória, nirvana
Eterna, nirvana 2x

E sempre siga o sol, a lua e as estrelas
E aprecie gentilmente a confusão do som dos mares

Fonte: Vagalume

28 de jul. de 2014

"Lâmpadas do coração"


"Em cada coração há uma
janela para outros corações.
Eles não estão separados,
como dois corpos.
Mas, assim como duas lâmpadas
que não estão juntas,
Sua luz se une num só feixe." 
(Jalaluddin Rumi)

17 de fev. de 2014

Sufismo: O Caminho do Amor


"Quando abro meus olhos para o mundo exterior, me sinto como uma gota de água no oceano; porém quando fecho meus olhos e olho para dentro de mim, vejo o universo inteiro como uma bolha erguendo-se no oceano do meu coração."
Hazrat Inayat Khan A Sinfonia Divina
O Sufismo ou Tasawwuf tem sido definido como o Caminho do Amor ou do Coração.  À palavra Sufi são atribuidas várias orígens, entre elas palavras que significam  "pureza" e "sabedoria". O sufi, então é alguém que descartou tudo que não pertence a sua essência mais intíma e que cultivou o jardim do coração, já que não há outro lugar para que a sabedoria cresça. Um sufi é um homem com os pés na terra e a mente no céu. 
Pudemos dizer que sufismo é uma aproximação amorosa com a realidade. É um modo de se experimentar a vida e o universo como um todo respondendo a um plano Único, de acordo com Leis Universais ou Fundamentais. É  uma escola viva ou forma de vida que busca antes de tudo fazer um chamado a Unidade de toda a existência e que cada ser humano alcance seu verdadeiro estado de plenitude e bem-estar e integre em si mesmo a transcendentalidade ou espiritualidade, é conhecer  o mais significativo e fundamental que existe em cada um de nós. Dentro do sufismo busca-se libertar o ser humano das cadeias da ignorância para que possa compreender a essência imutável do Ser.
"Conheci o bem e o mal,  o pecado e a virtude, a justiça e a  infâmia; julguei e fui julgado, passei pelo nascimento e pela morte, pela alegria e  pela dor, pelo céu e pelo inferno; e no final reconheci que estou em tudo e tudo está em mim".
Hazrat Inayat Khan
A palavra sufi implica pureza. Porém quer dizer não misturado com outro elemento,em outras palavras, aquilo que existe em seu próprio elemento puro e sem manchas. Dentro do sufismo, busca-se honrar e respeitar todas as diferenças, e buscar um mútuo entendimento, respeitando e valorizando todos os pontos de vista dos demais. Podemos dizer que é uma escola de autoconhecimento e perfeição do ser humano; um estudoda Unidade e polimento da própria personalidade para aparar suas arestas e fazer a maior obra de arte a que todo ser humano é chamado: a arte da personalidade. Não obstante todo este trabalho de polimento e limpeza do coração do sufi não é para benefício próprio, mas para que possa refletir a Luz Divina.
"A vela não está acesa para iluminar a si mesma"
Nawab Jan-Fishan Khan
Se há uma verdade central que o sufismo distingue, é a Unidade do Ser, o fato de estarmos todos integrados com o Divino. Somos Um: uma comunidade, uma ecologia, um universo, um Ser. Se é que há uma verdade digna desse nombe, é que formamos um todo com a Verdade, que não estamos separados dela. A compreensão desta verdade tem efeito no sentido de quem somos, em nossa relação com os demais e com todos os apectos da vida. O sufismo tem a ver com a compreensão da corrente de amor que corre através de toda forma de vida, com a unidade de todas as formas conhecidas e desconhecidas pela humanidade.
“Vem, vem, seja você quem for,
Não importa se você é um infiel, um idólatra,
Ou um adorador do fogo,
Vem, nossa irmandade não é um lugar de desespero,
Vem, mesmo tendo violado seu juramento cem vezes,
Vem assim mesmo.”
Jalaluddin Rumi
Para os sufis, toda a humanidade é Uma só, não existe nenhum tipo de divisão nem horizontal, nem vertical e não há diferença entre os seres. Não existem coisas diferenciadas ou separadas exceto na aparência e a um nível de superfície. Em seu núcleo, em seu nível mais fundamenta, só existe uma coisa: a Unidade, ou a Realidade Absoluta, o Um. Aquele que recebe muitos nomes e que alguns designam como Deus, Allah, o Universo, a Vida, a Informação Central do Universo, o Vazio, o Nada, o Tudo, etc. O nome que se dá a esta Realidade não tem relevância pois todos estes conceitos apontam para uma mesma e única direção. 
A prática do sufismo leva a redução do nafs (parte mais densa do ego ou falsa personalidade) a sua mínima expressão, e portanto à manifestação plena de nossa essência ou o Ser Real, o qual facilita o acesso direto a percepções reais da Verdade, que surgem na experiência pessoal de cada um. Neste caminho o ego vai se refinando, desfazendo-se de suas limitações e enaltecendo nossos talentos. Quando no sufismo se fala da redução do ego temos que entender que sem um ego não podemos interagir neste plano material. É necessário para nossa sobrevivência. O que se trata é de colocá-lo a nosso serviço e não tornar-se servo dele. 
O sufsmo é baseado na Harmonia, Beleza e Amor. Para estarmos unidos com o Um, com Deus e sua Criação, que são a mesma e indefinível coisa, nos ocupamos então de limpar nosso coração de tudo que signifique ego ou auto-engano. 
Os sufis não tem uma hierarquia distinta para o crescimento espiritual ou desenvolvimento da consciencia. Não tem dogmas nem doutrinas. Para eles o caminho se faz no mundo, entre os homens, e não há nada mais valioso do que as relações, especialmente as complexas. Não há muito mérito em ser imperturbável se a seu lado não há ninguém que perturbe. Quando vários sufis se reúnem, o mais avançado ensina sua missão, e ele sabe perfeitamente se é ou não. Os demais também. Assim, brota espontaneamente a missão do mestre, a quem se acata, se respeita, porém antes de tudo se ama porque nos mostra um ideal. Não se dá pois ao sufi a condição de mestre sem a capacidade de ensinar, e com esta vem junto a de amar, que dá ao mestre a acuidade de percepção dos sentidos físicos, extremamente afinados, e o desenvolvimento de outros sentidos superiores latentes em qualquer homem. 
Os exercícios espirituais sufis, as práticas, são de uma grande variedade e dependem sempre das condições de tempo, modo e lugar, porém ainda mais da capacidade atual do discípulo ou aprendiz e/ou seu estado de de desenvolvimento de consciencia. Podem consistir em práticas de respiração, mantras ou wazifas (falados ou cantados) danças, música e muitas vezes contos ou histórias. 

Fonte: PersonArte

18 de ago. de 2013

Fábula dos Ilhéus


Trecho do Livro: Os Sufis; Idries Shah*
A maioria das fábulas contém pelo menos alguma verdade, e elas, não raro, facultam às pessoas a absorção de idéias que os modelos comuns do seu pensamento as impediriam de digerir. As fábulas, portanto, têm sido usadas pelos mestres sufistas a fim de apresentar uma imagem da vida mais em harmonia com os seus sentimentos do que seria possível por meio de exercícios intelectuais. Aqui está uma fábula sufista a respeito da situação humana, sumariada e adaptada adequadamente, como sempre deve acontecer, ao tempo em que é apresentada. As fábulas comuns de "entretenimento" são consideradas pelos autores sufistas uma forma de arte degenerada ou inferior. 
Era uma vez uma comunidade ideal que vivia numa região muito distante. Seus membros não tinham temores como os que hoje conhecemos. Em lugar da incerteza e da vacilação, tinham determinação e meios mais completos de se expressar. Embora não houvesse nenhuma das tensões e pressões que a humanidade considera hoje essenciais ao seu progresso, suas vidas eram mais ricas, porque outros elementos, melhores, substituíam essas coisas. Seu modo de existência, por sua vez, era ligeiramente diferente. Poderíamos quase dizer que nossas percepções atuais são uma versão crua, provisória, das percepções reais que possuía a comunidade. Suas vidas eram reais, e não semi-vidas. Podemos chamar-lhes o povo de Xirtam.
Eles tinham um líder, que descobriu que o seu país se tornaria inabitável por um período, digamos, de vinte mil anos. Em vista disso, planejou-lhes a fuga, compreendendo que seus descendentes só conseguiriam voltar para casa depois de inúmeras tentativas. Encontrou para eles um lugar de refúgio, uma ilha cujas características se pareciam ligeiramente com as de sua terra natal. Por causa da diferença de clima e situação, os imigrantes tiveram de sofrer uma transformação, que os tornou, física e mentalmente, mais adaptados às novas circunstâncias; percepções grosseiras, por exemplo, substituíram as percepções mais finas, como quando as mãos do trabalhador manual se tornam mais calosas em resposta às necessidades do seu ofício. Com a intenção de reduzir a dor que traria uma comparação entre o estado antigo e o novo, eles foram induzidos a esquecer quase inteiramente o passado. Só ficou dele a lembrança mais vaga, embora suficiente para ser redespertada quando chegasse a ocasião. O sistema era muito complicado, mas bem ordenado. Os órgãos através dos quais o povo sobreviveu na ilha foram também transformados em órgãos de prazer, físico e mental. Os órgãos que eram construtivos em sua velha terra natal foram colocados numa espécie de inatividade provisória e ligados à lembrança vaga, preparados para sua posterior ativação.
Lenta e penosamente, os imigrantes se instalaram, ajustando-se às condições locais. Os recursos da ilha eram tais que, unidos ao esforço e a certa forma de orientação, permitiriam ao povo fugir para outra ilha, no caminho de volta ao lar original. Essa foi a primeira de uma sucessão de ilhas em que se verificou a gradativa aclimatação. A responsabilidade da "evolução" coube aos indivíduos capazes de arcar com ela. Eram, por força, apenas uns poucos porque, para a massa do povo, o esforço de manter as duas séries de conhecimentos em suas consciências revelava-se virtualmente impossível. Uma delas parecia conflitar com a outra. Certos especialistas guardavam a "ciência especial". Esse "segredo", o método de levar a efeito a transição, era nada mais nada menos do que o conhecimento das habilidades marítimas e sua aplicação. A fuga exigia um instrutor, matérias-primas, gente, esforço e compreensão. Havendo tudo isso, o povo poderia aprender a nadar e também a construir navios. A gente originalmente encarregada das operações de fuga esclareceu a todos que se fazia necessário certo preparo antes que alguém pudesse aprender a nadar ou até participar da construção de um navio.
Durante algum tempo, o processo prosseguiu satisfatoriamente. Nisso, um homem considerado, na ocasião, carecedor das qualidades necessárias rebelou-se contra essa ordem e conseguiu desenvolver uma idéia magistral: Observara que o esforço para fugir colocara um fardo pesado e, não raro, aparentemente aborrecido sobre o povo, que se mostrava, ao mesmo tempo, disposto a acreditar nas coisas que lhe contavam sobre a operação de fuga. O homem compreendeu que poderia adquirir poder e também vingar-se dos que o haviam menosprezado pela simples exploração das duas séries de fatos. Oferecer-se-ia, simplesmente, para tirar-lhes o fardo das costas, afirmando não haver fardo. E fez esta declaração: "O homem não precisa integrar a mente e treiná-la da maneira descrita a vocês. A mente humana já é uma coisa estável, contínua e consistente. Disseram-lhes que vocês precisavam tornar-se artífices para construir um navio. Pois eu lhes digo que não precisam ser artífices - não precisam de navio algum! Um ilhéu tem apenas de observar umas poucas regras simples para sobreviver e permanecer integrado na sociedade. Pelo exercício do bom senso, inato a todos, pode alcançar qualquer coisa nesta ilha, nosso lar, propriedade e herança comuns a todos!"
Tendo provocado grande interesse no seio do povo, o tagarela, em seguida, "provou" sua mensagem, dizendo: "Se houver alguma realidade em navios e em nadar, mostrem-nos navios que fizeram a viagem e nadadores que voltaram!" Era um desafio aos instrutores, que não o podiam enfrentar. Baseava-se numa suposição cujo sofisma não poderia ser detectado pelo rebanho bestificado. A verdade é que nunca tinham voltado navios da outra terra. E os nadadores, quando regressavam, eram submetidos a uma nova adaptação que os tornava invisíveis à multidão. O populacho instou para que lhe fornecessem uma prova demonstrativa. "A construção de navios", disseram os encarregados da ruga, numa tentativa de argumentar com os revoltosos, "é uma arte e um ofício. O aprendizado e o exercício dessa ciência dependem de técnicas especiais, as quais, juntas, formam uma atividade total, que não pode ser examinada por partes, como vocês estão querendo. Essa atividade contém um elemento impalpável, chamado baraka, do qual deriva a palavra 'barco' - navio. A palavra significa 'a sutileza' e não lhes pode ser mostrada." "Arte, ofício, total, baraka, tolices!", berraram os revolucionários. E enforcaram quantos artífices empenhados na construção de navios puderam encontrar. O novo evangelho foi acolhido com entusiasmo por todos os lados como um evangelho de libertação. O homem descobrira que já estava maduro! Tinha a impressão, pelo menos naquele momento, de que fora desonerado da responsabilidade. A maioria das outras maneiras de pensar foi logo absorvida pela singeleza e pelo conforto do conceito revolucionário, que passou a ser considerado um fato básico, jamais contestado por nenhuma pessoa racional. Por racional, é claro, subentendia-se qualquer pessoa que se ajustasse à teoria geral em que se baseava agora a sociedade. As idéias que se opunham aos novos conceitos foram facilmente denominadas irracionais. Todo irracional era ruim. Daí por diante, ainda que tivesse dúvidas, o indivíduo tinha de suprimi-las ou afastá-las, porque precisava ser tido por racional a todo o custo. Não era muito difícil ser racional. Bastava à pessoa aderir aos valores da sociedade. Além disso, abundavam as provas da verdade da racionalidade - contanto que as pessoas não se pusessem a pensar além da vida na ilha.
A sociedade, agora, temporariamente equilibrada no interior da ilha, parecia proporcionar uma inteireza plausível, pelo menos vista através de si mesma. Fundada na razão acrescida da emoção, fazia que ambas parecessem plausíveis. Permitia-se, por exemplo, o canibalismo com base em argumentos racionais. Descobriu-se que o corpo humano é comestível. A comestibilidade é uma característica do alimento. Por conseguinte, o corpo humano era alimento. Com a intenção de compensar as deficiências desse raciocínio, foi utilizado um artifício. Controlou-se o canibalismo no interesse da sociedade. O meio-termo era a marca registrada do equilíbrio temporário. De quando em quando alguém assinalava um novo meio-termo, e a luta entre a razão, a ambição e a comunidade produzia alguma nova norma social.
Uma vez que as habilidades necessárias à construção de navios não tinham nenhuma aplicação óbvia dentro da sociedade, o esforço poderia facilmente ser considerado absurdo. Os barcos eram dispensáveis - não havia para onde ir. As conseqüências de certas suposições podem ser levadas a "provar" as ditas suposições. É a isso que se dá o nome de pseudocerteza, a substituta da certeza verdadeira. É com isso que lidamos todos os dias, ao supor que viveremos outro dia. Mas os nossos ilhéus aplicavam-na a tudo. Dois verbetes da grande Enciclopédia universal da ilha mostram-nos como funcionava o processo:
NAVIO: Desagradável. Veículo imaginário em que impostores e enganadores asseveraram ser possível "transpor a água", o que hoje está cientificamente provado que é um absurdo. Não se conhece na ilha nenhum material impermeável à água com o qual se pudesse construir um "navio" nessas condições, sem falar na questão de saber se existe ou não uma destinação além da ilha. A MANIA DA CONSTRUÇÃO DE NAVIOS, forma extrema de escapismo mental, é um sintoma de desajuste. Todos os cidadãos se encontram na obrigação constitucional de notificar as autoridades sanitárias se acaso suspeitarem da existência dessa trágica condição em qualquer indivíduo. Veja: Natação; Aberrações mentais; Crime {Capital). Leituras: Por que os "navios" não podem ser construídos, de Smith, J., Monografia da Universidade da Ilha, número 1151.
NATAÇÃO: Repugnante. Suposto método de propelir o corpo através da água sem se afogar, geralmente com o propósito de "alcançar um lugar fora da ilha". O "estudante" dessa arte repugnante tinha de submeter-se a um ritual grotesco. Na primeira lição, tinha de deitar-se no chão e mover os braços e as pernas em resposta às instruções do "instrutor. Todo o conceito tem por base o desejo dos pretensos "instrutores" de dominar os crédulos nas épocas bárbaras.
Usavam-se as palavras "desagradável" e "repugnante" na ilha para indicar o que quer que entrasse em conflito com o novo evangelho, conhecido pelo nome de "Agradar". A intenção por trás disso era que as pessoas se agradassem dentro da necessidade geral de agradar ao Estado. O Estado passava a significar o povo todo. Não é de admirar que, desde os tempos mais primitivos, a idéia de deixar a ilha enchesse de pavor a maioria das pessoas. Da mesma forma, descobre-se um medo muito real nos prisioneiros condenados a penas demasiado longas quando se vêem na iminência de ser libertados. Qualquer lugar "fora" do local de cativeiro é um mundo vago, desconhecido, ameaçador. A ilha não era uma prisão, mas sim uma jaula de barras invisíveis, porém mais eficazes do que o seriam quaisquer barras óbvias.
A sociedade insulana foi se tornando cada vez mais complexa, e sua literatura muito rica. Além das composições culturais, havia também um sistema de ficção alegórica que mostrava o quão terrível poderia ter sido a vida, se a sociedade não tivesse se ajustado ao atual modelo tranqüilizador. Ainda assim, de tempos a tempos instrutores tentavam ajudar a comunidade a escapar. Capitães sacrificavam-se em prol do restabelecimento de um clima em que os ora escondidos construtores de navios pudessem prosseguir no trabalho. Todos esses esforços foram interpretados por historiadores e sociólogos com referência às condições da ilha, sem idéia de qualquer contato fora daquela sociedade fechada.
Produziam-se com facilidade relativa explicações plausíveis para quase tudo. Não estava envolvido nenhum princípio de ética, porque os doutos continuavam a estudar com dedicação genuína o que parecia ser verdade. "Que mais podemos fazer?", perguntavam, dando a entender, com a palavra "mais", que a alternativa poderia ser um esforço de quantidade. Ou perguntavam uns aos outros: "Que outra coisa podemos fazer?", supondo que a resposta pudesse estar em "outra coisa" - algo diferente. O seu verdadeiro problema era que eles se julgavam capazes de formular as perguntas, e ignoravam o fato de que as perguntas tinham tanta importância, em todos os sentidos, quanto as respostas. Está visto que aos ilhéus se oferecia um campo muito grande para pensar e agir dentro de seu pequeno domínio.
As variações de idéias e diferenças de opinião davam a impressão de liberdade de pensamento. Estimulava-se o pensamento, contanto que não fosse "absurdo". Permitia-se a liberdade de palavra, aliás de escassa utilização sem o desenvolvimento da compreensão, que não era levado a efeito. O trabalho e a ênfase dos navegadores teve de assumir aspectos diferentes de acordo com as mudanças verificadas na comunidade, o que lhes tornava a realidade ainda mais desconcertante para os estudantes que procuravam acompanhá-los do ponto de vista da ilha. No meio de toda a confusão, até a capacidade de lembrar-se da possibilidade de escapar podia, às vezes, transformar-se em obstáculo. A consciência emocionante da possibilidade de fuga não era muito discriminativa. Na maior parte das vezes, os ansiosos aspirantes a fujões se decidiam por qualquer espécie de substituto. Um conceito vago de navegação não poderia ser útil sem orientação. Até os mais ardentes construtores de navios em potencial tinham sido treinados para acreditar que já possuíam essa orientação. Já estavam maduros. Odiavam todos os que dissessem que eles talvez precisassem de preparação. Versões estranhas de natação e construção de navios freqüentemente excluíam, pela força do número, as possibilidades de progresso verdadeiro. Bastante censuráveis eram os advogados da pseudonatação ou dos navios alegóricos, meros mercenários, que ofereciam lições aos que ainda estavam fracos demais para nadar, ou passagens em navios que não podiam construir.
As necessidades da sociedade tinham exigido, originalmente, certas formas de eficiência e pensamento que redundavam no que se conhecia por ciência. Esse enfoque admirável, tão essencial nos campos em que tinha aplicação, acabou exorbitando do seu verdadeiro significado. O enfoque, denominado "científico" logo após a revolução "Agradar", ampliou-se até cobrir todo tipo de idéias. Finalmente, as coisas que não puderam ser contidas dentro dos respectivos limites passaram a ser conhecidas como "não-científicas", outro sinônimo conveniente de "más". As palavras eram estranhamente aprisionadas e, a seguir, automaticamente escravizadas. Na ausência de uma atitude adequada, como as pessoas que, entregues aos próprios recursos na sala de espera de um consultório, põem-se automaticamente a ler revistas, os ilhéus se absorveram na procura de substitutos da realização, que era o propósito original (e, na verdade, final) do exílio da comunidade. Alguns foram capazes de distrair a atenção, de maneira mais ou menos bem-sucedida, com atitudes principalmente emocionais. Havia séries diferentes de emoção, mas nenhuma escala adequada para medi-las. Considerava-se toda emoção "funda" ou "profunda" - como quer que fosse, mais profunda que a não-emoção. A emoção que levava as pessoas aos atos físicos e mentais mais extremos que se conheciam era automaticamente qualificada de "profunda". Em sua maioria, as pessoas costumavam escolher metas ou permitiam que outros as escolhessem para elas. Podiam consagrar-se a um culto depois de outro, ou ao dinheiro, ou à proeminência social. Algumas, por adorarem certas coisas, julgavam-se superiores a todo o resto. Outras, repudiando o que supunham ser o culto, cuidavam não ter ídolos e poder, por conseguinte, zombar com segurança de tudo o mais.
À medida que os séculos passavam, a ilha se viu juncada de destroços desses cultos. Pior do que destroços comuns, eles eram autoperpetuantes. Pessoas bem-intencionadas e outras combinaram e recombinaram os cultos, e estes voltaram a propagar-se. Para o amador e para o intelectual isso constituía uma mina de material acadêmico ou "inicial", que dava uma reconfortante sensação de variedade. Proliferaram magníficas instalações para o gozo de "satisfações" limitadas. Palácios e monumentos, museus e universidades, institutos de saber, teatros e estádios esportivos abarrotaram a ilha. O povo, naturalmente, se orgulhava desses recursos, muitos dos quais considerava ligados, de um modo geral, à verdade fundamental, embora muito pouca gente soubesse exatamente como era isso. A construção de navios estava associada a algumas dimensões dessa atividade, mas de um jeito desconhecido de quase toda a gente. Clandestinamente, os navios desfraldaram suas velas, e os nadadores continuaram a ensinar natação. As condições na ilha não consternaram em demasia aquela gente dedicada. Afinal de contas, ela também se originara da mesma comunidade e tinha laços indissolúveis com ela e com o seu destino. Mas precisava, muito a miúdo, preservar-se das atenções dos seus concidadãos. Alguns ilhéus "normais" tentaram salvá-la de si mesma. Outros tentaram matá-la por uma razão igualmente sublime. Outros até buscaram ardentemente a ajuda dela, mas não conseguiram encontrá-la. Todas essas reações à existência dos nadadores resultavam da mesma causa, filtrada através de diferentes tipos de mentes, a saber, que quase toda a gente sabia agora em que consistia um nadador, o que ele estava fazendo e onde poderia ser encontrado.
À medida que a vida na ilha foi se tornando mais e mais civilizada, surgiu uma indústria estranha, mas lógica, consagrada a lançar dúvidas sobre a validade do sistema sob o qual vivia a sociedade. Ela logrou absorver as dúvidas acerca dos valores sociais ridicularizando-os ou satirizando-os. A atividade poderia apresentar um rosto triste ou feliz mas, na realidade, se tornou um ritual repetitivo. Indústria potencialmente valiosa, era, não raro, impedida de exercer suas funções realmente criativas. Achavam as pessoas que, tendo dado às suas dúvidas uma expressão temporária, conseguiriam, de certo modo, atenuá-las, exorcizá-las, quase aplacá-las. A sátira passou a ser considerada uma alegoria significativa; a alegoria foi aceita mas não digerida. Peças, livros, filmes, poemas, pasquins foram os meios usados para esse desenvolvimento, ainda que boa parte dele operasse em campos mais acadêmicos. Para muitos ilhéus, parecia mais emancipado, mais moderno ou progressivo seguir esse culto em lugar dos antigos. Aqui e ali um candidato ainda se apresentava a um instrutor de natação, para fazer sua barganha. E geralmente ocorria o que, na verdade, era uma conversação estereotipada:
- Quero aprender a nadar.
- Quer fazer uma barganha?
- Não. Só tenho de levar minha tonelada de couve.
- Que couve?
- A comida de que precisarei na outra ilha.
- Lá existe comida melhor.
- Não sei do que você está falando. Não posso ter certeza. Preciso levar minha couve!
- Em primeiro lugar, você não pode nadar com uma tonelada de couve.
- Então não posso ir. Você chama a couve de carga. Eu chamo-lhe minha nutrição essencial.
- Suponha, como alegoria, que, em lugar de couve, prefiramos dizer "suposições" ou "idéias destrutivas".
- Levarei minha couve a algum instrutor que compreenda minhas necessidades.
Este livro fala de alguns nadadores e construtores de navios, e também de outros que tentaram acompanhá-los, com maior ou menor sucesso. A fábula não terminou, porque ainda existem pessoas na ilha. Os sufis utilizam linguagem cifrada para transmitir o que querem dizer. Mude a posição das letras do nome da comunidade original - Xirtam - e terá "Matrix". Talvez já tenha notado que o nome adotado pelos revolucionários - "please" (Agradar) - forma, com as letras mudadas de lugar, a palavra "asleep" (Adormecido).

*Idries Shah (1924- 1996), foi um autor e mestre da tradição Sufi que escreveu dezenas de livros sobre diversos assuntos desde psicologia e espiritualidade a diários de viagem e estudos culturais. Fundou uma editora, a Octagon Press, que publicou clássicos da tradição Sufi bem como vários de seus trabalhos. Seus escritos ampliaram muito o conhecimento sobre o ensinamento Sufi no ocidente.

17 de ago. de 2013

Ítaca


Do poeta grego Konstantinos Kavafis (1863-1933):
Quando você partir, em direção a Ítaca,
que sua jornada seja longa,
repleta de aventuras, plena de conhecimento.
Não temas Laestrigones e Ciclopes nem o furioso Poseidon;
Você não ira encontrá-los durante o caminho, se
o pensamento estiver elevado, se a emoção
jamais abandonar seu corpo e seu espírito.
Laestrigones e Ciclopes, e o furioso Poseidon
não estarão no seu caminho
se você não carregá-los em sua alma.
se sua alma não os colocar diante de seus passos.
Espero que sua estrada seja longa.
Que sejam muitas as manhãs de verão,
que o prazer de ver os primeiros portos
traga uma alegria nunca vista.
Procure visitar os empórios da Fenícia
Vá às cidades do Egito,
aprenda com um povo que tem tanto a ensinar.
Não perca Ítaca de vista
pois chegar lá é seu destino.
Mas não apresse seus passos;
é melhor que a jornada demore muitos anos
e seu barco só ancore na ilha
quando você já tiver enriquecido
com o que conheceu no caminho.
Não espere que Ítaca lhe dê mais riquezas.
Ítaca já lhe deu uma bela viagem;
sem Ítaca, você jamais teria partido.
Ela já lhe deu tudo, e nada mais pode lhe dar.
Se no final, você achar que Ítaca é pobre,
não pense que ela lhe enganou
Porque você tornou-se um sábio, viveu uma vida intensa,
e este é o significado de Ítaca.
Fonte: Pensador